O mundo gira e a gente gira também

Hoje decidi fazer um treino convencional de bike. Segui as recomendações de não fazer um treino muito desgastante para não diminuir o sistema imunológico. No mundo dos coachs, muito se fala sobre os riscos de exagerar nos treinos e acabar cometendo o erro de deixar os atletas mais vulneráveis a possíveis viroses.

Me conscientizei também sobre não correr riscos de acidente para evitar usar um leito de hospital de um paciente infectado. Ele é a prioridade neste momento.

Cuidei também de ir sozinho. A aglomeração de um pelotão é uma irresponsabilidade neste momento e pode sim espalhar o vírus pelas rajadas de suor, saliva e coriza que os atletas despejam na alta velocidade de um treino.

Mesmo com estes cuidados, confesso que posso estar errado em sair para treinar, mas como ainda não foi proibido no Brasil – e tenho visto que a maioria dos atletas ainda o fazem – decidi sair.

Fora do quesito técnico sobre a transmissão do vírus, vi algo bem interessante acontecer.

O trânsito de BH está um pouco mais vazio, mas nada desértico. Isso permite que os motoristas conduzam com mais velocidade, o que é mais perigoso para ciclistas do que quando o trânsito está muito cheio e mais lento.

Mais um motivo para eu ficar atento: o perigoso trânsito mediano – que provavelmente vai diminuir nos próximos dias, fenômeno que já deixou as ruas da Itália desérticas.

Recebi um áudio do Thiago Vinhal, triatleta da Trek. Ele está em Mallorca e disse que pela janela só conseguiu ver dois carros passando ao longo do dia inteiro. É um áudio bem assustador e deixa a sensação de que em poucos dias vamos viver o mesmo estado de alerta.

Voltando ao pensamento inicial, eu dizia sobre uma parte legal que vi nisso tudo.

Percebi uma simpatia fora do comum que os motoristas tiveram comigo nesse treino. Não digo motoristas mais atentos, nem mais habilidosos ou com melhor desenvoltura sobre o conhecimento da lei de trânsito.

Percebi motoristas que cuidaram não só deles mesmos, mas do próximo. Que se sensibilizaram com alguém mais vulnerável.

Vi um motorista entrar sem dar seta, como vejo todos os dias, mas desta vez, recebi um pedido de desculpas. Isso é inédito.

Vi um caminhão reduzir sua velocidade e me acompanhar até um ponto de ultrapassagem seguro. Ele acenou pra mim quando me passou com 2 metros de distância (ou mais). Inédito também.

Faróis piscando e mãos para fora da janela me concedendo a prioridade para eu ocupar a pista sem medo.

Vi gente sensata, gente priorizando o outro. Vi gente disposta a perder 3 segundos do seu dia para o próximo ganhar 60 segundos. No caso, o próximo era eu.

Não vi motoristas. Vi gente.

E é a campanha que estamos escutando: lave as mãos, fique em casa, tome as medidas de segurança; mas não faça por você, faça pelo próximo.

As pessoas tiveram uma aula de coletividade quando entenderam nos últimos dias o real significado da campanha anti-corona. Você ama algum idoso? Você se preocupa com o seu vizinho? Então lave as mãos.

E eu acho incrível como a gente cresce com as dificuldades. Já pensou por que a gente elogia tanto a conduta dos japoneses em meio ao caos? No episódio do tsunami, me recordo de um texto como este que elogiava a conduta da população, que se organizava para receber água, comida e mantimentos básicos que estavam em falta a dias. Mesmo sabendo que aqueles mantimentos não seriam suficientes para todos, eles não lutavam individualmente, mas se preocupavam com o bem-estar coletivo.

Legal ver que hoje no trânsito eu vi algo parecido e que ainda se estende para fora do caso corona. Resvalou até para o trânsito.

Tempos duros criam pessoas duras.

Espero que o mundo possa evoluir em conjunto quando tudo isso acabar. Uma pena ver o ciclismo e o mundo passar por dificuldades assim, mas é bonito ver como as pessoas conseguem ser boas no meio do caos.

Fiquem em casa, lavem as mãos e sigam tudo aquilo que já leram dos especialistas.

Por Breno Bizinoto

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